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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Onde está a igreja quando alguém sofre



ONDE ESTÁ A IGREJA QUANDO ALGUÉM SOFRE?




Quando saímos pra fazer o trabalho com moradores de ruas, nos deparamos com situações nas quais as pessoas compartilham conosco suas amarguras, suas experiências difíceis, seus devaneios. Só mesmo o amor de Cristo para trazer paz aos corações e mentes desgastados pelos sofrimentos da vida. Outro dia, em uma sexta-feira destas, saímos pelas ruas de Juiz de Fora, tentando levar alimento físico e espiritual às pessoas necessitadas. Quando chegamos a um determinado lugar onde havia pessoas tentando dormir em meio a folhas de jornal, pedaços de papelão e de pano velho que lhes serviam de lençóis; elas nos olharam com um ar de desconfiança, como se cada um de nós fosse apenas mais um dos que se aproximavam delas para lhes tirar algo: seu dinheiro, sua confiança, sua alegria, seu amor próprio...

Alguns disseram coisas sem sentido, outros ficaram quietos observando e outros fecharam a cara, demonstrando não querer qualquer tipo de aproximação ou relacionamento com algum estranho que possivelmente iria magoar seus sentimentos, como seus pais, seus parentes, seus amigos ou todas as pessoas que passaram por suas vidas fizeram. Então começamos a entoar um louvor a Deus e pedimos que Deus nos enchesse com seu amor de forma que o amor de Deus, ao transbordar sobre nossas vidas, tocasse o coração daquelas pessoas sofridas.

De repente o toque transformador do Espírito Santo de Deus balançou aqueles corações endurecidos pela vida e quando percebemos, todos estavam enxugando as lágrimas, até mesmo aqueles com a feição trancada. Muitos de nós talvez nem imaginassem que algum dia estariam vivenciando uma cena como aquela: pessoas de rua, que não tinham onde morar, não tomavam banho há vários dias, cheiravam à bebida e ao pó das ruas cobertas de toda espécie de detritos; recebiam abraços calorosos e sinceros daqueles que ali foram para tentar lhes trazer alguma alegria.

Terminamos o cântico, anunciamos o motivo de estarmos ali, e lhes demos algo para comer e um pouco de refrigerante. Todos comeram o lanche por nós oferecido, nos contaram um pouco de sua história, de como foram parar naquele lugar. Depois do lanche, do louvor, de uma pequena exposição da Palavra de Deus, de uma oração e das conversas, nos despedimos e partimos para encontrar outro grupo carente de roupa, comida, amor, carinho, afeição. Em todos os lugares por onde passamos, procuramos apresentar às pessoas que encontrávamos alguém que havia sofrido e pagado um alto preço por suas vidas: Jesus. Perguntávamos para elas se gostariam de convidar este homem de Nazaré a fazer parte de suas vidas. Este homem que havia vivido uma vida simples, que havia sofrido perseguições chegando a perder a vida por amor a elas, a nós, a todos, mas que não permanecera morto, havia ressuscitado e, tinha o poder para "ressuscitar" sua confiança, suas vidas, seu amor próprio.

Muitos não entendiam como aquilo poderia ser possível, já que ninguém os havia nem mesmo tratado com respeito. "Morrer por mim?" Difícil processar esta pergunta em mentes cauterizadas pelo sofrimento da vida. Mas alguns, principalmente aqueles que já haviam tido um encontro com o Homem de Nazaré em algum momento de suas vidas, pareciam compreender este ato de amor, mas não tinham forças para sair do estado em que se encontravam sozinhos.

Entretanto um senhor, cabelos grisalhos, barba por fazer, desejou do fundo do coração "apostar" tudo em Jesus. Crer que ele o salvaria e o tiraria do estado em que se encontrava. Aos prantos, pediu a Jesus que entrasse em sua vida, que o salvasse e que mudasse o rumo de sua história. Oramos por ele, o levamos para um albergue que o acolheu e finalizamos, neste momento, nosso encontro com pessoas de rua para aquela sexta-feira, para continuar o trabalho em uma semana seguinte.

Ainda não posso dizer o desfecho da história daquele senhor que aceitou Jesus, pois ela está apenas começando e, como seria de se esperar (são muitas as batalhas que enfrentamos quando fazemos o trabalho de Deus), nós tivemos alguns contratempos nas duas semanas seguintes e não pudemos dar continuidade ao trabalho. Tenho sentido um aperto no coração ao me lembrar daquele senhor, chorando, pedindo para sair das ruas. Tenho orado por ele e desejo, de coração, retornar às ruas para dar continuidade ao processo iniciado. Creio que, assim como Deus se revelou à igreja através da sua palavra, a função da igreja diante desta revelação é fazer com que Deus se revele ao mundo por intermédio do seu povo. Philip Yancey, escritor americano, discorre, em seu livro "O Jesus que eu nunca conheci", sobre o que acredito ser a função dos cristãos no mundo. Segundo o autor, "Jesus tem procurado outros corpos para iniciar de novo a vida que viveu na terra" (YANCEY, 2002, P.244-245).

De acordo com Yancey, ao lermos a parábola das ovelhas e dos bodes, em Mateus 25, percebemos que Deus não se ocultou dos seres humanos de forma alguma. Ele apenas assumiu um tipo de "disfarce" de estrangeiro, de pobre, de prisioneiro, de discriminado. Os pobres, os humildes, os sofredores seriam uma espécie de cobradores de Deus: "Em verdade vos digo que quando o fizestes a um desses pequeninos irmãos, a mim o fizestes" (Mateus 25: 40). Como não podemos demonstrar nosso amor a Deus fazendo algo que o beneficie de forma direta, Deus quer que façamos alguma coisa para ajudar os pobres, pois eles estão incumbidos de receber o amor dos cristãos.

Yancey afirma que, na última ceia, Jesus revela os planos de sua partida e diz que é para o bem dos discípulos que ele iria partir. Segundo o autor, Jesus havia planejado partir para executar o seu trabalho em outro corpo, o novo corpo de Cristo: a igreja. A Missão que Deus havia dado ao Filho, agora era atribuída aos discípulos de Jesus "Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo" (João 17: 18). A igreja é, então, uma espécie de extensão da encarnação, uma extensão da primeira forma que Deus usou para estabelecer sua presença neste mundo.

De acordo com o pensamento de Yancey, Jesus sabia que, ao deixar este mundo, ainda existiriam aqui os pobres, os doentes, os necessitados. Ele não se surpreendeu com o estado caído do mundo, mas fez planos para conviver com ele, a longo prazo e a curto prazo. O plano de Jesus para este mundo a longo prazo diz respeito a sua volta, em poder e glória. Entretanto, o plano a curto prazo implica entregar o mundo àqueles que vão fazer a libertação do cosmo (Rm 8:19-21; Ef 3:10). O que nós fazemos aqui na terra, realmente afeta o cosmo: "O que ligardes na terra será ligado no céu" (Mt 18:18). Ele subiu ao céu para que pudéssemos tomar o seu lugar. Assim, afirma Yancey, a cura, a graça e o amor que Jesus trouxe para alguns pode agora ser trazido para todos através da igreja.

A igreja de Cristo tem uma grande responsabilidade aqui na terra: levar a presença de Deus ao mundo caído, continuando o trabalho iniciado por Jesus. Ele se foi, mas não nos deixou sós. Ele enviou o seu Espírito para nos auxiliar nesta missão. Penso que, para compreendermos verdadeiramente qual a função da igreja diante da revelação, devemos (tomando emprestadas as palavras de Yancey) responder à pergunta: "Onde está a igreja quando alguém sofre?"





Líllian Márcia

Um comentário:

Unknown disse...

Muito legal... tenho que passar por aki mais vezes... abraços em tds